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5/29/2009

MANTRA

-Se um homem quer você, nada pode mantê-lo longe.
-Se ele não te quer, nada pode fazê-lo ficar.
-Pare de dar desculpas(de arranjar justificativas)para um homem e seu comportamento.
-Permita que sua intuição(ou espírito)te proteja das mágoas.
-Pare de tentar se modificar para uma relação que não tem de acontecer.
-Mais devagar é melhor. Nunca dedique sua vida a um homem antes que você encontre o que realmente te faz feliz.
-Se uma relação terminar porque o homem não te tratou como você merecia, mande ele se foder e esqueça. Vocês não podem ser amigos.
-Se você sente que ele está te enrolando, provavelmente é porque ele está mesmo. Não continue (a relação) porque você acha que ela vai melhorar.
-A única pessoa que você pode controlar em uma relação é você mesma.
-Evite homens que têm um monte de filhos, de mulheres diferentes. Se ele não se casou com elas, com você não seria diferente.
-Ponha limites à maneira como um homem te trata. Se algo te irritar, faça escândalo.
-Nunca deixe um homem saber de tudo. Mais tarde ele usará isso contra você.
-Você é mais importante. Sempre. Mesmo que ele tenha emprego melhor e mais dinheiro.
-Nem todos os são cachorros.
-Suma de vez em quando. Homens interessam-se por mulheres que não estão sempre à sua disposição.
-Você é a melhor coisa que pode acontecer a alguém. Se um homem a destrata, ele é quem está perdendo.
-Se ele ficou atraído por você à primeira vista, saiba que ele não foi é o
único.

Ladies, cuidem bem de seus corações!!!

5/27/2009

Palavras ocultas


muitos desejos não se consumam e continuam etéreos por causa das palavras covardes. aquelas que não deixam apertar o botão “enviar” depois de escrever alguns parágrafos sinceros ou que ficam falando de longe e bem baixinho dentro cabeça para não te ligar de madrugada quando estava pensando em você e tudo fazia sentido. ficam ocultas por anseios e medos. por idiossincrasias e insegurança na falta da reciprocidade.

e não tomo coragem, mas invento analogias em planetas fantásticos para tentar fazer você sentir o que estou sentindo. escrevo para o mundo, mas, na verdade, essas palavras têm direção e destino.

porque ao final, todas as conversações, todas as palavras, todos os fragmentos - no discurso amoroso - consistem em dizer ao ser amado:

“estou aqui, perceba-me.”

ilustração: marina faria
texto: tiago yonamine
www.fragmentos.bz

5/22/2009

Como aquele Jazz


no discurso amoroso, é como aquele jazz:

não segue as notas. é feito de encontros ao acaso. de espontaneidades dissonantes. de apertos de mãos. todo assim, meio desejeitadinho e corrido. as claves e semínimas anotadas em guardanapos parecem cair da mesa. mas com o tempo e algumas afinidades, não é preciso mais ler partituras. porque a gente não consegue mais esquecer. aí, as notas dançam entrando no compasso e o mundo parece um lugar mais confortável para se estar.

marina faria e tiago yonamine, do site: http://www.fragmentos.bz

5/21/2009

A Solidão Amiga

A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você deseja é não estar em solidão...Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha. Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia para a festa... Mas na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão... A noite estava perdida. Faço-lhe uma sugestão: leia o livro A chama de uma vela, de Bachelard. É um dos livros mais solitários e mais bonitos que jamais li. A chama de uma vela, por oposição às luzes das lâmpadas elétricas, é sempre solitária. A chama de uma vela cria, ao seu redor, um círculo de claridade mansa que se perde nas sombras. Bachelard medita diante da chama solitária de uma vela. Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma. Lendo o livro solitário de Bachelard eu encontrei comunhão. Sempre encontro comunhão quando o leio. As grandes comunhões não acontecem em meio aos risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Quem ama sabe disso. É precisamente na ausência que a proximidade é maior. Bachelard, ausente: eu o abracei agradecido por ele assim me entender tão bem. Como ele observa, “parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis“. A vela solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: “Como se comporta a Sua Solidão?“ Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida. Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.“ Pare. Leia de novo. E pense. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim. Como é que a sua solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim: “Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim!" Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas! Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões da saúde. Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o vento. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que “o inferno é o outro“. Sobre isso, quem sabe, conversaremos outro dia... Mas, voltando a Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:“Ó solidão! Solidão, meu lar!... Tua voz – ela me fala com ternura e felicidade! Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas. Pois onde quer que estás, ali as coisas são abertas e luminosas. E até mesmo as horas caminham com pés saltitantes. Ali as palavras e os tempospoemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a falar." E o Vinícius? Você se lembra do seu poema O operário em construção? Vivia o operário em meio a muita gente, trabalhando, falando. E enquanto ele trabalhava e falava ele nada via, nada compreendia. Mas aconteceu que, “certo dia, à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo naquela casa – garrafa, prato, facão –era ele que os fazia, ele, um humilde operário, um operário em construção (...) Ah! Homens de pensamento, não sabereis nunca o quando aquele humilde operário soube naquele momento! Naquela casa vazia que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que nem sequer suspeitava. O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de operário, e olhando bem para ela teve um segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão desse instante solitário que, tal sua construção, cresceu também o operário. (...) E o operário adquiriu uma nova dimensão: a dimensão da poesia." Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: “As obras de arte são de uma solidão infinita.“ É na solidão que elas são geradas. O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu, menino caipira de uma cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a infelicidade. Comparei-me com eles: cariocas, espertos, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca fui convidado a ir à casa de qualquer um deles. Nunca convidei nenhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. E nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão... A sua infelicidade com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada ) dos outros, em celebrações cheias de risos... Essa comparação é destrutiva porque nasce da inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira. Mas essa conversa não acabou: vou falar depois sobre os companheiros que fazem minha solidão feliz.

Rubem Alves, Correio Popular, 30/6/2002.

5/15/2009

"Felicidade aqui pode passar e ouvir..."

5/10/2009

Afinal, acaba?

O amor acaba? O cara disse. Numa esquina, num domingo, depois do teatro e do silêncio, na insônia, nas sorveterias, como se lhe faltasse energia. Ele não volta? Não deixa rastro ou renasce? Na esquina em que se beijaram uma vez, lá está, na sombra apagada pela luz, na poeira suspensa, na revolta da memória inconformada. Na solidão, lá vem ele, volta, com lamento, um quase desespero, e penso nos planos perdidos, que vida sem sentido... Na insônia, o amor cai como uma tonelada de lápide, e se eu tivesse feito diferente, e se eu tivesse sido paciente, e se eu tivesse insistido, suportado, indicado, transformado, reagido, escutado, abraçado? Na sorveteria, ele volta, o amor, em lembranças. Porque aquele sabor era o preferido dela, aquela cobertura era a preferida dela, aquela sorveteria era a preferida dela, aquela esquina, aquele bairro, aquele clima, aquela lua, aquele mês, aquela temperatura, aquela raça de cachorro, aquele programa de fim de tarde e aquele horário sem planos... No elevador, quantas saudades daqueles segundos em silêncio, presos na caixa blindada, vigiados por câmeras camufladas, loucos para se agarrarem, rirem, apertarem todos os botões, tirarem a roupa, escreverem ao lado do Atlasado: “Eu te amo”. Saudades é amor. Não se tem saudades do que não se amou. O amor não acaba, porque tenho saudades, me lembro dela, me preocupo com ela, torço por ela, e se sonho com ela, meu dia está feito. O amor não pode acabar, porque sem ela ou sem a esperança de revê-la, até a chance de tê-la de volta, não vejo a paz. Ela é uma trégua na minha guerra pessoal contra a minha paixão por ela. Amá-la me faz bem. Mesmo que ela não me ame, amo amá-la. Continuei amando desde o dia em que terminou. Passei meses amando como se não tivesse acabado. Ficaria anos amando mesmo se não tivesse voltado. O amor não acaba, muda. O amor não será, é. O amor está. Foi. Nas tantas músicas que ouvimos, que dançamos colados, trilhas das noites frias em que você sentava em mim nua, enquanto os meus braços imobilizavam os seus. Amor. O não-amor é o vazio. O antiamor também é amor. Eu te amava quando você respirava no meu ouvido. Lembra do meu dedo dentro de você? Amo-te, amo-te, amo-te. Instante secreto, sua boca incha, seus olhos apertam, suas unhas me arranham e você diz: Eu te amo! O amor acabou quando você se foi? Você sentiu saudades das minhas paredes, das cores das minhas camisas, da umidade da minha boca, do cheirinho do meu travesseiro, da minha torrada com mel, das noites pelados assistindo à tevê, dos vinhos entornados no lençol, do café da manhã com jornal, você sentiu falta de atravessar a avenida comigo de mãos dadas, de correr da chuva, de eu te indicar um livro, do cinema gelado em que vimos o filme sem fim, torcendo para acabar logo e ficarmos a sós, você sentiu falta da minha risada, inconveniência, de eu ser seu amante, noivo, amigo e marido, dos meus olhos te espiando, dos meus dentes mordendo e mastigando, ficou tanto tempo longe e pensou em nós especialmente bêbada ou louca, queria me ligar, me escrever, meu cheiro aparecia de repente, meu vulto estava sempre ali, acaba? Diz que acaba. Como acaba? Não acaba. Diz, não acaba. Repete. Falei? Não acaba. Pode virar amor não-correspondido. Pode ser amor com ódio, paixão com amor. Tem o amor e o nada. Ah, mais uma coisa. Antes que eu me esqueça. O amor não acaba. Vira. Se acabar, não era amor.

Será?
Marcelo Rubens Paiva, a respeito de O Amor Acaba, de Paulo Mendes Campos

5/03/2009

Os Maridos

E lá vão eles, firmes, cumprir o supremo destino de reinaugurar o dia, de pôr outra vez o mundo em funcionamento. Vão varonis, encher de energia o ventre das coisas, construir os fatos, agir sobre o tempo, vão rígidos e convictos, mesmo que o sol, irmão na força de todas as manhãs, hoje pareça ter se atrasado de propósito, deixando os maridos sob esse céu anêmico, de um cinza amarelado e pegajoso. Faz muito calor e vai chover.

Eles vão dentro dos carros, dos ternos e das gravatas. Vão nos ônibus, no metrô, e vão também a pé, muito apressados todos eles, já com manchas de suor nas costas e sob as axilas (os maridos são homens de muitos líquidos). Carregam as pastas, os papéis, os contratos, os relatórios, ou ainda prosaicas sacolinhas de supermercado e marmitas surradas. Lá vão eles nessa manhã abafada de dezembro. Mas vão como se fossem contra o vento gelado de agosto ou sob a luz excessiva de abril. Os maridos vão nessa manhã como em todas as manhãs do mundo. Têm o gosto do café e do sono na boca, talvez do álcool da noite anterior, da comida pesada, de algum sexo às pressas. Lá vão eles, incumbidos da divina missão de fazer as coisas, vão machos, saindo das suas casas como quem sai para a guerra.

Os portões dos edifícios e das garagens os despejam na rua como touros bravios lançados no centro da arena. Mas também são peixes, um cardume em febril trajeto, que vão em fila, lado a lado, ombro a ombro, vão fazer os negócios, vão discutir os preços, vão comprar e vender, os maridos.

E vão também muitas mulheres-marido, vão sérias e rígidas, equilibristas de salto alto, vão orgulhosas da força que as iguala, lá vão elas senhoras de suas conquistas, despejando potência na máquina do dia.

Enquanto isso vem crescendo a manhã, morna e tensa, como se tivesse febre. O céu é baixo e não há nenhuma dúvida que a chuva vai estourar em pouco tempo. Os maridos homens e maridos mulheres já ouviram a previsão no rádio bem cedo ou leram no jornal, bem cedo também. Os maridos leem o jornal de manhã e escutam as notícias no rádio ou conversam com outros maridos para saber as coisas. A chuva vai estourar a manhã em pouco tempo.

Compenetrados, conscientes dos seus músculos e inteligências, os maridos fazem o trabalho e a manhã fica bojuda. Ela cresce em ruído, em nervosismo, e cresce também o calor. Os maridos vão suados, incômodos, mas decididos. Muitos já chegaram aos escritórios e dão ordens e falam ao telefone e fecham negócios. Outros recebem as ordens e as repassam, no feliz exercício da hierarquia. Correm, esses austeros milicianos, despacham, assinam, e sentem, com uma sincera e infantil felicidade, o motor do trabalho ganhando aceleração.

Mas muitos, muitos deles ainda estão a caminho. Estão presos no trânsito ou mesmo nas calçadas, caminhando, correndo, porque a chuva não demora e estamos todos atrasados. Nos semáforos fechados, ao volante, eles limpam o suor da testa, dão uma olhadela na primeira página do jornal que descansa no banco do carona, e arrancam. E param logo em seguida porque o tráfego é lento, um congestionamento — dá no rádio — de oito quilômetros para o trânsito da cidade. Então os maridos sacam seus celulares. E os maridos que vão na rua cobrem a cabeça com suas pastas porque os primeiros pingos da chuva começam a cair.

A chuva desaba e o céu encosta na terra. A manhã vira noite outra vez e os automóveis têm de acender os faróis. Também as luzes da rua se acendem, e olhar contra o poste alto da iluminação é ver a chuva multiplicada dez vezes, talvez a sua verdadeira cifra.

A rua é um rio. Uma água turva, da cor do céu, corre sem direção definida, carreando os detritos que dormiam nas sarjetas, no fundo dos becos, sob a cabeceira das pontes ou agarrados à pele suja do asfalto. Emerge e boia o lixo da cidade por entre os carros, que também são arrastados uns contra os outros e que, soltos assim no movimento das águas, têm a tranquila aparência das coisas mortas. A chuva é cada vez mais forte e reduz o campo de visão a uns poucos metros. Aqueles maridos que estavam nas calçadas agora lutam para se manter na superfície da água, como se a força da chuva sobre suas cabeças os empurrasse para baixo. Uns nadam, outros apenas se debatem, outros são arrastados pela água, e várias pastas abertas vomitam seus papéis na correnteza. Lá vão os papéis, e as pastas atrás deles, com suas bocas abertas numa desesperada e inútil tentativa de resgatar seus valores.

Cresce a água também dentro dos carros, rompendo à força a segurança das calafetagens das portas. Primeiro é uma lâmina líquida, uma língua que lambe o piso dos automóveis, depois vai crescendo e atingindo os bancos de couro, infiltrando-se nos mecanismos delicados dos painéis digitais. Então já passamos do caos. O desespero está nos rostos dos maridos que se debatem tentando livrar-se dos cintos de segurança. Eles socam os vidros mas sabem que não adiantaria abri-los, o que apenas aceleraria a entrada da água. São lógicos os maridos, mesmo no desespero. Lá dentro dos carros os maridos já têm a água na altura do queixo. Suas cabeças encostam no teto e eles são forçados a virar o rosto de lado para tentar buscar com narizes ansiosos a última camada de ar que se espreme contra o teto do automóvel. E quando a água elimina também essa derradeira lâmina de ar, os maridos retornam para o vidro lateral e tremem sob a água, colam seus rostos e suas bocas no vidro, por onde deslizam as borbulhas de ar que eles soltam. E novamente eles têm aspecto de peixes, que morrem em seus próprios aquários. Os braços já estão mortos, pois eles não batem mais nos vidros, apenas nos forçam com a cabeça, e principalmente com a boca, uma boca arroxeada, boca de peixe, grudada no vidro.

Muitos dos maridos apanhados na rua já boiam de bruços na correnteza, entre sacos de lixo, verduras podres e montes de fezes que se levantaram dos valões. Os mais fortes ainda tentam nadar, mas seus braços são quase inúteis contra o lodo, o capim e pedaços de panos que se enroscam neles.

Alguns que estavam dentro dos carros-aquário vão conseguindo sair, também na última das suas forças, para morrer na superfície. Ainda que torrencial, a chuva já não aumenta. Martela de forma constante, água sobre água, porque a cidade já não existe. Tudo é um imenso rio marrom e a cidade ficou embaixo. Acima, está o lixo, a água escura de lama, os corpos emborcados dos maridos-peixe.

***

É só depois que a chuva arrefece. É só depois que ela se transforma nessa lenta garoa. É quando se pode ver melhor.

E varrendo com os olhos toda a superfície da água, não se percebe um só topo de edifício ou torre de televisão, nada a não ser a água barrenta, o lixo e os corpos dos maridos boiando, já um pouco inchados. O céu vai lentamente clareando outra vez, ainda opaco, cinza, como que refletindo a tonalidade suja da água, mas um céu novo.

E ao longe, como que saindo de trás da linha do horizonte, uma pequena mancha vem crescendo.

Vem se aproximando com lentidão excessiva, entre o lixo e os corpos. É um bote, um fragilíssimo bote de madeira que seu condutor traz com remadas esparsas. Vem de pé, uma figura magra, que passa com dificuldade o remo de um lado para o outro a fim de corrigir a rota.

Tem um lenço negro na cabeça e é uma mulher. Ela tem o olhar concentrado em cada corpo que passa roçando o casco do bote. Às vezes segura um deles pela camisa, vira-se com dificuldade e quase desequilibra-se, puxa pelo braço o corpo que a correnteza vai carregando, puxa-o para bem próximo do barco, segura-o pelos cabelos e ergue seu rosto. Então, com um suspiro, devolve o corpo à correnteza e fica olhando ele se afastar, às vezes lento, às vezes girando em torno de um eixo imaginário que lhe cruza o umbigo, às vezes sofrendo os ligeiros movimentos e acelerações de um redemoinho. Ela olha o corpo se afastar e logo retoma sua trajetória. É assim que ela vem, vem no seu barco, passa por inúmeros corpos, detém-se num e noutro, e vem.

Lá vem a mulher, vem sóbria e triste, vem para buscar alguma coisa que está perdida. E que ela busca em cada corpo que passa boiando ao lado do seu bote. De repente ela se agita no barco, enxerga a alguns metros um corpo que lhe é familiar demais. Aqueles braços, aquelas costas, aqueles cabelos espalhados em torno da cabeça como uma medusa negra que se move ou se deixa mover no músculo das águas. Ela rema com desespero e quase vira o barco na ânsia de chegar até ele. Não pode deixar passar aquele corpo. Rema num esforço máximo até que o alcança e consegue puxá-lo pelo tornozelo, quando a correnteza já ia levando-o para sempre. Ela o traz para o lado do barco e vira o corpo e vê que, sim, é seu marido. Sem nenhum instante de raciocínio ou mesmo de emoção, puro instinto, a mulher segura-o pelas axilas e começa a puxá-lo para dentro do barco. É uma operação difícil e perigosa, e que demora bastante. O corpo inchado pesa mais do que o normalmente pesado corpo do marido e ela é obrigada a descer na água para empurrar suas pernas para cima. Depois volta a subir no barco, desvira o corpo do seu marido e olha para os lábios roxos, a boca escura, de onde pende um ramo de capim embarrado. Ela limpa seus cabelos do excesso de lama, livra-o da camisa que é um lodo só e vê que ele tem um ferimento na altura do baço, um rasgo escuro que, quase imperceptivelmente, se abre e se fecha.

Ela beija sua boca e volta a apanhar o remo. Põe-se de pé na popa do barco. Que lentamente vai.

Amilcar Bettega