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5/30/2010

Oração para um dia como hoje

Senhor,
Protegei as nossas dúvidas, porque a dúvida é uma maneira de oração. É ela que nos faz crescer, porque nos obriga a olhar sem medo para as muitas respostas de uma mesma pergunta. E para que isso seja possível,

Senhor,
Protegei as nossas decisões, porque a decisão é uma maneira de oração. Dai-nos coragem para, depois da dúvida, sermos capazes de escolher entre um caminho e outro. Que o nosso 'sim' seja 'sim', e o nosso 'não' seja sempre um 'não'. Que uma vez escolhido o caminho, jamais olhemos para trás nem deixemos que nossa alma seja roída pelo remorso. E, para que isso seja possível,

Senhor,
Protegei as nossas ações, porque a ação é uma maneira de oração. Fazei com que o pão nosso de cada dia seja fruto do melhor que levamos dentro de nós. Que possamos, por meio do trabalho e da ação, compartilhar um pouco do amor que recebemos. E, para que isso seja possível,

Senhor,
Proteja os nossos sonhos, porque o sonho é uma maneira de oração. Fazei com que, independentemente de nossa idade ou de nossas circunstâncias, sejamos capazes de manter acesa no coração a chama sagrada da esperança. E, para que isso seja possível,

Senhor,
Dai-nos sempre entusiasmo, porque o entusiasmo é uma maneira de oração. É ele que nos liga ao céu e à Terra, aos homens e às crianças, e nos diz que o desejo é importante e merece o nosso esforço. É ele que nos afirma que tudo é possível, desde que estejamos comprometidos com o que fazemos. E, para que isso seja possível,

Senhor,
Protegei-nos, porque a vida é a única maneira que temos de manifestar o Teu milagre. Que a terra continue transformando a semente em trigo, e nós continuemos transformando o trigo em pão. E isso só é possível se tivermos amor - portanto, nunca nos deixe em solidão.

Dai-nos, sempre a Tua companhia, e a companhia de homens e mulheres que têm dúvida, agem, sonham, se entusiasmam e vivem e agem como se cada dia fosse totalmente dedicado à Tua Glória.

Amém.

5/23/2010

Antigas Namoradas



Qual é o encanto das antigas namoradas? Temei, esposas, noivas, amantes, pretendentes, temei o mistério das antigas namoradas. Temei seu assédio volátil, sua presença incorpórea, seus apelos inaudíveis, seus dedos pianíssimos, seus pés passarinhos. E consolai-vos, pois sois vós mesmas antigas namoradas de algum marido, noivo, amante — hoje de outra.

Por que não se esquece uma antiga namorada? O cérebro, que apaga tantas coisas de que gostaríamos de nos lembrar, ou que as mantém no fundo de um quartinho escuro, traz para a luz uma ou outra antiga namorada e dá-lhe um banho de sol.
As antigas namoradas vão conosco ao cinema, deitam-se ao nosso lado na areia da praia, visitam amigos que visitamos. Preferem nossos momentos de solidão, mas não se importam com presenças.

O curioso é que nem todas foram boas namoradas, e isso não as impede de pretensiosamente encontrar espaço entre as benfazejas. Como se o tempo fosse desbastando a pessoa real, depurando-a, e acabasse por deixá-la enxuta, encaixada nesse conceito simples: ex-namorada. E como tal terá dado ao namorado, a seu tempo, o que é da essência das namoradas. Porque a má namorada não é como a bruxa dos contos de fada, que é sempre má, ou como a vilã de telenovela. Teve seus bons momentos, ou não seria namorada, tenha feito o que tiver feito por defeito. As falhas passadas já não a impedem de ir chegando, simplesmente porque é, como as outras, uma antiga namorada.

Podemos até passar por uma antiga namorada na rua e não a reconhecer. O tempo delas não é o de hoje. Seu momento foi fixado em algum lugar do passado, quando a beleza do olhar, do sorriso, da voz, do gesto, do ato nos emocionou e gravou imagens que voltam em flashback. Um dos prováveis encantos das antigas namoradas é que o tempo não as destrói, antes conserva e recupera. Adoça.

Homens têm afeições mais difusas do que as das mulheres. Não ficam se lembrando de roupas que tiveram, sapatos, escolas, casas, quartos, brinquedos, cães — ou quando se lembram não devaneiam. No geral, escorregam da realidade para o devaneio ao se recordar de duas coisas: seu primeiro carro e as antigas namoradas. Às vezes de ambos, nos momentos em que os aproveitaram juntos.

O apelo das antigas namoradas dispensa fotografias desbotadas ou cartas amareladas, e lenços, luvas, calcinhas, pétalas secas de flor. Elas não precisam disso para se insinuar e além do mais as esposas, noivas, amadas ou pretendentes não permitiriam nas gavetas da casa esse tipo de fetiche.

Nada pedem. Fazem companhia num cinema sem disputar o braço da poltrona, sem gastar entrada, na cama sem ocupar espaço, no trânsito sem desviar nossa atenção. De quem é artista, povoam telas, páginas, cenas. O mistério delas é estar sem estar. É não ter hora. Por que vão e voltam, anos sem vir, dias sem ir? Por que sumiços e um dia insistências?

Será o encanto delas o nos terem amado, egoístas que somos, vaidosos que somos? Ou o terem sido amadas? Será o terem chorado, o termos chorado? A entrega? Será o termos pensado que ninguém mais caberia na vida delas, ou na nossa, ninguém além de nós? O encanto delas será as incluirmos no nosso confronto de hoje com as ilusões do passado, a nossa ingenuidade, o nosso romantismo? Temos saudade de nós?

Pertencendo elas a outro tempo, seu encanto é não terem realidade, não serem tocadas pelas imperfeições do presente e da presença. Quando provocam o reencontro, as perdemos.

Ivan Angelo

5/10/2010

Sobre amores possíveis

Amor possível: 1. É dito daquele encontro sincero entre dois seres humanos que desejam construir algo de verdadeiro juntos, em regime de cumplicidade. 2. Utopia. 3. O mesmo que fantasia. (Pequeno dicionário Maroldi do amor)

No filme Buena Vista Social Club, Compay Segundo, ao falar de amor e de sua admiração pelas mulheres, diz que a coisa mais bonita que existe no mundo é o amor e que “uma noite de romanticismo não tem preço”. No começo eu discordava dele, cubano maluco!, depois passei a entendê-lo e, agora, quase concordo com aquele cantor boêmio. No meu estágio atual de maturidade, acredito que uma boa história de amor é o que realmente interessa nessa nossa vida. E não é preciso ser muito esperto para reparar que boa parte dos filmes que assistimos, dos livros que lemos, das lendas, das novelas, etc., são histórias de amor, simples e cafonas, recheadas com outras histórias menores, satélites, para que possam prender a nossa atenção. E prendem. Na realidade, não conseguimos fugir do rótulo de animais sentimentais, não nos despimos jamais da necessidade de encontrarmos o amor..., um amor possível. E essa, definitivamente, NAOo é uma busca simples.

O amor possível é aquele amor que hoje está em desuso, ultrapassado, gasto como o coração dos que nele acreditam. É buscar por algo cada vez mais raro, menos recorrente, menos encontrado, mas sempre buscado. Um santo Graal praticamente. Ora, se o desejo de todo ser humano é viver um amor de verdade, um amor possível, por que isso está cada vez mais distante? Por que o número de casamentos aumenta em todo o mundo e o de separações também, em proporções até maiores? Por que não é mais um fiasco um matrimônio qualquer durar 2 ou 3 anos? Por que cada vez mais se busca um amor possível e cada vez menos se encontra?

Sim, você deve estar pensando: se eu casar e não der certo, vou buscar um novo amor, um possível, não vou ficar confinado em uma relação infeliz. É verdade, é verdade... Mas, quantas vezes temos que errar até dizer “é esse”! O blogueiro (e poeta) José de Morais pergunta: “por que amar se a perda é tão dolorosa?” Ele dá como certo a perda. E não deve existir ninguém que goste de separações, afinal, quase sempre elas deixam marcas profundas, às vezes cicatrizes para toda uma vida. Ainda mais quando você pensava ter encontrado um amor possível...

Entretanto, pior que perder um amor possível é nunca tê-lo encontrado e desconfiar timidamente que estes só existem mesmo nos filmes ou na televisão. E, então, se você por acaso ficar de cara com ele, é lutar bravamente para não deixá-lo escapar. E “se se morre de amor”, como versejou Gonçalves Dias, bom, o jovem Werther morreu, como tantos outros, não concordando com aquele poeta.

Encontrar um amor possível é ganhar na loteria. É ter a certeza de que você recebeu um presente de valor inestimável, o qual só poderá pagar tornando-se você mesmo um companheiro de verdade, sendo você também adepto – e praticante – do amor possível. É dividir o pouco que se tem e desejar ter mais apenas para dividir mais. É querer vivenciar a 2 todas as coisas deste mundo. É querer viver no outro e com o outro dentro de si. É sair cedo já pensando em retornar, e abrir mão das suas coisas para viver as do casal. É acreditar que viverão juntos para sempre e que cada um fará sua parte para que isso aconteça. É querer ser feliz, ser um casal, amar.

Porém, se é tão bonito assim, por que nossos olhos vêem traições, nossos ouvidos escutam mentiras e nossos corações disparam sem razão no meio da tarde por insegurança, medo, decepção? Por que nosso mundo se tornou um lugar tão frio, onde amar o outro com toda força da alma é sinal de fraqueza, de submissão, de tolice? Até quando vou presenciar meus amigos romperem casamentos de menos de 3 meses de duração, ouvir histórias de adultério, ver tantas lágrimas nos olhos dos românticos sofredores, dos poetas e dos bêbados desesperados? Por que, hoje, ser um sonhador e acreditar no amor verdadeiro é se sentir cantando Los Hermanos: “eu preciso andar um caminho só” (bom, "só" não é, mas nessa estrada anda pouca gente, certamente)?

Nas novelas, quando próximas do fim, casamentos acontecem, filhos nascem e, evidente, os coitados sofredores arrumam bons partidos. Isso é certo!, final de novela até o figurante aparece de mão dada, sorrindo, exibindo seu amor possível. Também quero.

Antes eu justificava dizendo que “a culpa era desse mundo agreste que me deu uma alma agreste”, mas parei. E então, quando eu quero culpar o mundo por ele não me dar o que eu penso que mereço (o meu amor possível), aparece alguém para me puxar a orelha. Ou para me fazer apaixonado novamente, a escrever as minhas sentimentalidades quase juvenis. Se vale a pena seguir? Não o sei, mas é o único jeito de encontrar o que procuro, encontrar o que nem sei se existe... O meu amor possível.


* * *

"O Demolidor"
O amor não é um arquiteto.
Igual às térmites, destrói
a mais sólida construção
das paredes até o teto.

Dando razão à sem-razão,
o amor não respeita o intelecto.
Igual a um rato, surge e rói
o pão abstrato e o sol concreto.

O amor? Dois e dois não são quatro.
Caminho certo em concha errada,
coisa torta no chão reto,

Amor! Colinas sucessivas,
obelisco, língua que lambe,
pergunta feita ao Paracleto!

Lêdo Ivo